Seguidores

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Um breve histórico do magistério português e brasileiro

“... a questão da remuneração da profissão é um dos aspectos que pode influenciar a escolha profissional, a satisfação com a docência, mas pode gerar insatisfação com o ofício.”

No artigo ”A remuneração do professor é baixa ou alta? Uma contraposição de diferentes referenciais”, a Professora Amanda O. Rabelo, Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Aveiro e Professora Adjunta da Escola Superior de Educação Almeida Garret (Lisboa), faz uma analise histórica dos salários de professores primário da educação pública do Rio de Janeiro-Brasil e Aveiro-Portugal. Em seu resumo ela diz que a discussão bibliográfica objetivou verificar se a consideração dos professores envolvidos sobre a remuneração da profissão tem alguma fundamentação. A Drª Amanda dá um breve histórico da situação da educação primária nesses dois países desde o século XVII. Vamos tratar, de forma resumida, dos principais pontos abordados por ela em seu artigo.
Expulsão dos Jesítas - Fonte: Brasilcult

Portugal
Até a Primeira República os salários dos professores eram miseráveis. Nos séculos XVII e XVIII, era comum que os professores fossem homens com alguma moléstia ou enfermidade física, impedidos de trabalhar nos campos, ou eram artesãos, empregados ou mulheres atrás de complementação de renda. Com a reforma de 1772, a fim de suprir as vagas docentes após a expulsão dos Jesuítas pelo Marques de Pombal, barbeiros, sapateiros, taberneiros, alcaides e escrivães passaram a ser professores, muitas vezes juntamente com seus ofícios. Entre os anos de 1772 e 1794, esses professores só recebiam mais que os funcionários subalternos, o que os obrigava a exercer outras atividades até o século XIX, para não ficarem na miséria.
Com a reforma de 1878, o salário igual para professores do nível primário foi introduzido possivelmente como forma de atrair mulheres para este trabalho. Os salários já eram baixos (miseráveis) e não aumentaram por um período de mais de trinta anos. Na segunda metade do século XIX, a criação das escolas normais, o desenvolvimento da formação escolar e a crença na virtude da instrução como fator de progresso transformam o acesso à profissão docente em aspiração de diferentes classes sociais e em via de promoção social. A autora cita Nóvoa, para quem essa é uma época-chave para se compreender a ambiguidade do estatuto dos professores, pois o baixo salário não lhes permitia um modo de vida típico de burguês: eles não eram nem classe média nem classe popular. Cria-se a hierarquização e a ambiguidade entre salário e diploma: no nível econômico, o professor situa-se num escalão bastante baixo, mas o poder e o prestígio conferidos pela habilitação acadêmica situam o professor num escalão bem mais elevado.
Em 1909, ganhavam o mesmo que operários de outras categorias; já em 1919, seus salários se situam ao mesmo nível que um tenente ou oficial de terceira categoria da administração. Em 1935, são colocados ao mesmo nível dos sargentos. Assim, Nóvoa demonstra que, nos anos de 1920, os professores de instrução primária atingem um estatuto econômico como nunca tinham possuído (e que só voltariam a deter meio século mais tarde) e que o período entre o fim da I Guerra e a implantação do Estado Novo constitui um momento em que os professores estavam relativamente satisfeitos com suas remunerações. A elevação dos salários repercutiu nas matrículas nas Escolas Normais de 1930 a 1936, onde 42% dos inscritos nos cursos e 35% dos formados de 1930 a 1938 eram do sexo masculino.
Com a Implantação do Estado Novo, os professores passam a ser vistos como simples agentes de transmissão do Estado e o seu salário cai. Entre 1929 e 1942, o recrutamento dos professores de origem rural aumentou ainda mais, quando os pretendentes "bons e inteligentes" passaram quase sempre a ser designados pelo padre, pelo professor ou pelos notáveis locais. Todavia, o caráter humilde do professor era demonstrado no exíguo ordenado, agravado com o Estado Novo, em que os professores primários estavam nas categorias mais baixas do funcionalismo público. Se adoecessem, perdiam o emprego e as grávidas tinham somente 23 dias de licença. O Estado Novo voltou a apelar aos conceitos de "vocação", de "missão" e de "sacerdócio".
Na Revolução de 1974, com a transformação do papel institucional dos docentes, constatou-se a urgência de dar novas remunerações aos docentes, sobretudo aos professores do ensino primário, de acordo com o grau de instrução e a importância social de seu trabalho (decreto 290/75), pois os docentes são definidos como os agentes de transformação social. O salário dos professores do ensino primário passou a situar-se entre tenentes e capitães, bem próximo de engenheiros, arquitetos ou juristas de terceira classe. Em 1990, outro novo avanço remuneratório atinge os professores e educadores de infância e, em 1992, todos os professores (do Ensino Primário, infantil, preparatório, secundário e médio) passaram a estar na mesma escala remuneratória, sem diferenças salariais pelo grau de ensino em que dão aula, a diferenciação do salário passou a ser feita só pelo nível de formação, se bacharéis ou licenciados. Atualmente, em comparação com os salários dos professores dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o professor português em início de carreira tem um dos salários mais baixos, mas no final da carreira (por volta dos 26 anos de exercício profissional), é um dos mais altos. A média salarial é mais do que o dobro de profissões como vendedores, recepcionistas, cozinheiros e cerca de 70% do salário de profissionais como engenheiros e médicos.
No gráfico 1, observamos o valor mínimo (início de carreira), máximo (final da carreira) e o salário médio do professore português...
... e, no gráfico 2, a comparação com a média salarial do professor e outras categorias.
Pelos gráficos acima, podemos perceber que o salário médio do professor português é pouco mais que o dobro e no final da carreira, pouco mais do que o triplo do que em início de carreira (gráfico 1), que o professor do ensino público é melhor remunerado do que o professor do setor privado, recebe mais que um enfermeiro diplomado do setor privado e pouco menos que um engenheiro químico e um médico do setor privado (gráfico 2).
No Brasil
Já no Brasil, após a expulsão dos Jesuítas, o magistério passou a ser exercido por membros de outras ordens religiosas e por “mestres escolas” (leigos nomeados para cobrir os lugares vagos), o que, segundo a autora, nos legou o desprestígio da profissão, a má remuneração e à maldita inclinação para a improvisação.
Em 1822, no Maranhão, o salário era tão baixo que se propunha o dobro para que desse para a mínima subsistência. Em Pernambuco e no Piauí, faltavam professores pelo baixo salário e pela falta de pessoas “instruídas e idôneas” para ensinar. No Piauí existiam três escolas quase sempre vagas por falta de quem aceitasse receber salário menor do que 1/3 do que recebia um feitor de escravos.
A Lei Geral de 1827 igualou os salários dos professores aprovados em concurso para o ensino primário, mas permitia que, caso não houvesse aprovação, o governante poderia contratar pessoas com menor instrução e salário menor. A primeira professora aprovada em São Paulo, em 1828, recebia 300$000 réis anuais em 1929, enquanto outra professora não concursada recebia 76$800 réis anuais. Um inspetor do Paraná chegou a afirmar na época que não era fácil encontrar quem se propusesse ser professor para ganhar 300$000 réis anuais, pois qualquer jornaleiro ganhava soma muito superior. Ainda assim, na década de 1860 o Estado reduziu o vencimento dos professores públicos, o que levou à baixa frequência da Escola Normal, principalmente em regiões mais ricas (São Paulo fez o mesmo entre 1903 e 1904). Por volta de 1880 a remuneração era tão baixa que só poderia exercê-la quem tivesse outra atividade, família para apoiar (como as mulheres) ou não tivesse encontrado outra atividade melhor.
Em 1901 um regulamento impedia que os professores exercessem outras atividades a não ser aulas particulares. O governador do Piauí, ao reabrir a Escola Normal em 1910, em seu discurso disse que as mulheres eram preferidas para desempenhar a docência por causa da sua vocação e porque o baixo salário que o Estado pagava não permitia ao homem exercer a função, sendo a mulher mais resignada e fácil de contentar. O magistério era a única profissão que conciliava as funções domésticas da mulher, o que gerava preconceitos que bloqueavam sua profissionalização, mas apresentava-se como solução para a falta de mão de obra para a escola primária, por isso, em várias províncias as órfãs eram destinadas ao magistério primário, com oferta de parcos salários. No início do século XX, estudos demonstravam que os professores recebiam, muitas vezes, salários menores do que pedreiros, carpinteiros e carroceiros.
No início década de 1940, a maioria das professoras primárias cariocas recebia mais de dois salários mínimos, quando este tinha um poder de compra significativo, o que tornava a remuneração cobiçada pelas normalistas. Em 1956, 69% dos/as docentes estavam insatisfeitos/as com o salário. Esses professores/as eram em sua maioria do sexo feminino, com idade entre 25 e 43 anos, de cor branca, provenientes de famílias de classe média, com nível de instrução formal superior ao de seus pais, diplomadas por Escola Normal e que ganhavam menos de dois salários mínimos. O salário mínimo da época mantinha o mesmo poder de compra da década anterior, por isso, a autora afirma que as décadas de 1940 e 1950 foram consideradas por Ângela Martins os “anos dourados” da docência, com valorização social e monetária, somente representativa por que era uma profissão eminentemente feminina, que muitas vezes não sustentava sozinha a família. A partir da década de 1960, foi crescente a desvalorização e empobrecimento das classes assalariadas, quando a ditadura militar reduziu os espaços para resistência e acentuou o processo de proletarização do magistério.
Quando as normalistas eram a categoria mais alta, os salários de quem tinha o Normal eram rebaixados, mas, com o aumento do número de normalistas e o surgimento dos especialistas, os professores passam a receber os níveis de salários mais baixos da sociedade, enquanto uma proporção mínima de especialistas da educação passou a fazer parte do magistério, com salários baixos, porém mais altos do que os dos Normalistas. A Constituição Federal de 1967 aumentou o tempo de escolaridade para oito anos, mas retirou a vinculação constitucional de recursos. Assim, havia necessidade de crescimento da rede física escolar, mas existiam parcos recursos para tal. O corpo escolar docente “pagou a conta” da expansão escolar com duplo ônus: o rebaixamento de seus salários e a consequente duplicação ou triplicação da jornada de trabalho. Além disso, a maior demanda fez com que os contratos precários crescessem e os concursos para professores fossem reduzidos. Uma pesquisa de Paiva, Junqueira e Muls mostrou que os salários dos professores do Rio de Janeiro sofreram uma enorme perda, principalmente entre os professores com maior nível de escolaridade e experiência. O salário de um professor em 1994 equivalia a apenas 15% do salário recebido em 1979.
Ao final da parte do artigo que trata do breve histórico da docência em Portugal, a autora fez ainda uma simulação da “cesta básica brasileira em Portugal”, em 2005, onde constatou que o percentual utilizado sobre o salário médio era de 4,17%; já no Brasil, em 2003, o gasto com a cesta básica sobre o salário médio era de 23,1%. A má remuneração do professor brasileiro persiste até os dias atuais, tanto que a autora ainda cita um estudo de Siniscalco, que aponta o Brasil como a terceira pior remuneração para o professor primário entre os países por ele pesquisados.
No gráfico 3, temos uma comparação do salário médio de algumas profissões no Brasil, incluindo a categoria do magistério.
Pelo gráfico acima, podemos dizer que a média salarial continua muito ruim, pois um professor primário tem remuneração bem próxima das profissões para as quais são necessárias habilitações acadêmicas muito menores, por exemplo, recebendo menos que pedreiro, vendedor, carteiro, motorista de ônibus, enfermeiro auxiliar (sem diploma de nível superior), entre outros; e muito menos da metade do que recebem os profissionais com exigência de habilitação de ensino superior (enfermeiros, médicos, engenheiros, químicos, psicólogos, etc.). Mesmo se considerássemos a carga horária do professor como menor frente às outras profissões, mesmo assim, proporcionalmente, ele ainda teria salário mais baixo do que muitas profissões, como bancário e agente administrativo público (com habilitações menores ou iguais aos professores primários, se considerarmos aquele que ainda tem somente o curso normal de médio), e bem menor do que o das profissões com necessidade de habilitação de nível superior.


OPINIÃO

O artigo da Drª Amanda vem confirmar o que venho afirmando em publicações anteriores: no Brasil, Educação é prioridade apenas no discurso, pelo menos nas publicações do dia 31 de janeiro, Profissão, professor: essencial para o desenvolvimento do país; historicamente desvalorizado no Brasil e do dia 2 de novembro, Educação: Brasil x Chile? Fala sério, Haddad!. A novidade é que ela nos traz um histórico em que mostra a Educação como algo que nunca foi levada à sério em nosso país.

Podemos perceber que a Educação do Brasil teve influência direta da Educação de Portugal, mas não seguiu os seus passos quando passou a valorizar o magistério. Portugal, depois da ditadura, passou a remunerar melhor o seu corpo docente, enquanto que o Brasil, piorou a sua remuneração. É triste constatar que, mesmo com a Constituição de 1988, que voltou a vincular recursos para a Educação, o salário do professor do Rio de Janeiro em 1994 equivalia apenas a 15% do salário de 1979, quando vigorava a ditadura militar e não havia vinculação constitucional de verbas para a Educação.

Hoje (27), o Ministério da Educação (MEC) anunciou o valor do novo Piso Salarial para 2012 em R$ 1.451,00 para o regime de 40 horas semanais, equivalente a apenas 2,48 salários mínimos, mas alguns governadores, considerando muito, estão pressionando o Deputado Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados, a pautar a votação do recurso de plenário apresentado pela deputada Fátima Bezerra (PT-RN) contra a decisão da Comissão de Finanças e tributação da Casa, que vinculava o reajuste do piso salarial ao INPC/IBGE. Por essa vinculação, ficaríamos com um Piso sempre baixo, já que seria reajustado sempre pela inflação e não teríamos nenhum ganho real. O interessante é que nenhum desses governadores questiona o aumento de 21,24% do valor anual mínimo por aluno, ao qual o Piso está vinculado. Em 2011, esse valor era de R$ 1.729,28 e, para 2012, passou a R$ 2.096,68.
Por fim, um detalhe interessante: 2,4 salários mínimos era a média salarial do brasileiro sem nível superior em 2009 de acordo com o IBGE, conforme tabela abaixo. Com nível superior (o que é exigido para o magistério), a média salarial do trabalhador brasileiro era de 7,8 salários mínimos, o que hoje daria R$ 4.851,60.
Para ler matéria, acesse IBGE
Sonho com os nossos governantes valorizando a Educação e o seu profissional para que nosso país possa crescer, como é a sua vocação!